"Geração N": estamos criando jovens incapazes?

"Geração N": estamos criando jovens incapazes?

 

"Geração N": estamos criando jovens incapazes?

Autor norte-americano critica exagero dos pais em relação ao estímulo positivo dos filhos. O resultado? Uma geração de narcisistas

Clarissa Passos, iG São Paulo | 30/06/2010 09:32

 

Foto: Getty Images

Geração N: jovens que acham que não precisam se esforçar para nada

Rob Asghar, ensaísta e articulista norte-americano, aponta em um artigo recente no Huffington Post o surgimento do que ele chama de "geração N", formada por jovens narcisistas. Para ele, os pais norte-americanos, atormentados pela culpa por trabalhar muito ou por optar pelo divórcio, estão criando filhos sem limite algum. Inseguros, eles temem que o filho não goste deles, cedem a qualquer pedido das crianças e celebram toda e qualquer "conquista" do filho - até uma formatura de pré-escola.

O resultado é uma geração que se sente no direito de tudo, sem precisar trabalhar duro por nada. Rob cita uma pesquisa desenvolvida em conjunto pela San Diego State University e pela University of South Alabama, que concluiu que o narcisismo dos jovens norte-americanos cresceu nos últimos 15 anos - e que os Estados Unidos podem passar por problemas sociais quando estes jovens chegarem à idade adulta e assumirem cargos de poder.

O estudo, que envolveu dezenas de milhares de jovens universitários, detectou traços de "auto-respeito exagerado" e de um "infundado senso de merecimento". Alguns pesquisadores chegaram a afirmar que a crise econômica mundial recente, desengatilhada por decisões de alto risco, já seja um resultado do narcisismo da geração.

Para Maria Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia e em Educação Especial, esse cenário é comum aqui no Brasil também. Os pais que temem perder o amor dos filhos representam uma inversão absoluta de papéis. "Na minha época - eu tenho 57 anos e minha filha, 32 - eram os filhos que temiam perder o amor dos pais", contrapõe. Hoje, este temor influencia até na transmissão de valores.

Oprimidos pela culpa ou afundados no próprio narcisismo, os pais temem colocar limites em seus filhos e criam crianças que serão eternamente dependentes deles. Sem parâmetros claros, as crianças crescem sem valores: não sabem respeitar os pais, pois nunca ouviram uma repreensão simples como "enquanto uma pessoa fala, a outra escuta". Se alimentam mal e só comem quando querem, pois jamais os pais foram firmes e exigiram que ela se sentasse à mesa durante uma refeição. "Limite é a ética em ação", explica Maria Irene. "Pais e mães narcísicos criam fracos", resume.

Idade da influência

O psicólogo Caio Feijó, autor de "Pais Competentes, Filhos Brilhantes" (editora Novo Século), ressalta a importância do papel de pais e mães nas expectativas e na autoimagem da criança - e alerta que esse poder é limitado pelo tempo. "Os pais só têm uma influência grande sobre os filhos até antes da puberdade, por volta dos 10 ou 11 anos. Depois disso, vem o resultado", diz.

"Dependendo de como os pais conduzem essa influência, eles criarão expectativas nos filhos sobre o que eles podem ou não alcançar", continua. E o estímulo em excesso pode prejudicar tanto quanto chamar seu filho de "burro" ou de "inútil", especialmente quando este estímulo indica uma projeção - por exemplo, aquele pai que é dentista e sempre comenta que o filho "vai ser um dentista genial, igual ao papai", ou aquela mãe que sempre quis ser bailarina, mas não pôde estudar quando pequena, então matricula a filha em aulas diárias da dança, ainda que a menina não mostre o menor talento ou interesse pelas sapatilhas. "A superproteção traz consequências tão graves quanto o abandono", finaliza.

Características da "Geração N": 

- Não têm noção de limite
- Acham que são merecedores de tudo
- Não sabem se esforçar para conseguir algo
- Não sabem como agir em situações adversas
- São criados por pais narcisistas, que competem entre si
- Não respeitam os outros

 

Sob fogo cruzado: crianças em meio ao divórcio dos pais

Em entrevista, autora de livro sobre os conflitos conjugais na perspectiva das crianças fala sobre os impactos da separação

Clarissa Passos, iG São Paulo | 23/06/2010 14:32

 

Foto: Getty Images

Na opinião de Maria Dolores, os pais precisam separar a parentalidade de conjugalidade

Maria Dolores Cunha Toloi é psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e Jurídica com mestrado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No mês passado, ela lançou "Sob Fogo Cruzado" (Editora Ágora) - um estudo sobre o impacto dos conflitos conjugais e das separações pela perspectiva dos filhos. Conversamos com a psicóloga para saber o que os pais devem evitar e como devem agir para tornar uma separação o menos problemática possível.

iG: O que coloca os adolescentes e as crianças 'sob fogo cruzado'?
Maria Dolores Cunha Toloi: O nível de conflito entre os pais. O que fragiliza um filho são os pais brigando, porque a segurança emocional das crianças está depositada nas figuras parentais. Quando essas figuras entram em discórdia e começam a brigar, a criança começa a ficar insegura e impotente sobre como se resguardar emocionalmente.

iG: E como evitar que isso aconteça?
Maria Dolores: Se os pais têm melhor comunicação e mais flexibilidade, resolvem os conflitos e afetam menos a criança. Conflitos são normais. Temos conflito entre nações, entre pessoas, em relacionamentos... o problema é como as pessoas os resolvem.

iG: Qual é, na sua opinião e experiência, o pior problema para os filhos dos casais que se separam?
Maria Dolores: A perpetuação do conflito e o uso dos filhos como "pombos correios". O casal precisa avaliar o quanto separa a conjugalidade da parentalidade. Ao separar-se, eles deixam de ser marido e mulher, mas continuam sendo pais daquela criança. Geralmente, leva 2 a 4 anos para os pais se adaptarem a essa nova situação. Esse é o período de maior probabilidade de brigas - e também é a fase em que a criança mais precisa dos pais. É uma fase de risco. Muitos pais dizem estar brigando pelo interesse dos filhos, mas o motivo número um das brigas depois da separação é o dinheiro. O tema número dois é a criação dos filhos.

 

Foto: Divulgação

Para Maria Dolores Cunha Toloi, os pais devem separar a conjugalidade da parentalidade

iG: Como estes pais podem alinhar o discurso e a ação, fazendo o melhor para os filhos depois de uma separação?
Maria Dolores: Na verdade, os pais devem se perguntar, desde que o filho nasce, como eles encaram essa criança: como uma posse ou como um ser que foi colocado no mundo pelos dois, pelo qual ambos querem fazer o melhor? Utilizar a criança como "pombo correio", para mandar recados ou manipular o outro, é só a ponta do iceberg. Significa que, por baixo, antes da separação, já existe toda uma história de desequilíbrio familiar.

iG: Uma das consequências mais comuns de uma separação é o sentimento de culpa das crianças. Como perceber o quanto seu filho foi afetado e deixar claro que a culpa do fim do relacionamento dos pais não é dele?
Maria Dolores: As crianças afetadas pela separação reagem, de forma geral, apresentando os mesmos sintomas de quaisquer problemas psicológicos. A autoestima fica baixa, eles passam a estar mais isolados socialmente, às vezes aparece agressividade, cai o rendimento escolar... São sintomas clássicos de que a criança precisa de ajuda. Aliás, não só a criança, como toda a família. Sobre a culpa, os pais precisam ser claros. Falar, diretamente, para a criança: "papai e mamãe vão se separar, isso é um problema nosso, não tem a ver com você". E orientá-la, caso ela venha com recado do outro: "isso não é uma coisa de criança, quem tem que falar comigo é o papai ou a mamãe".

iG: Qual seu principal conselho para os pais que se separam?
Maria Dolores: Que aprendam a a separar a conjugalidade da parentalidade o quanto antes. E que procurem ajuda, como aconselhamento psicológico ou mediação.

iG: E para os filhos?
Maria Dolores: Toquem sua vida e sejam felizes! Vocês não podem fazer nada sobre os problemas dos seus pais.